Empatizada com o movimento e com intenção de me unir ao coro dos que se preocupam com a cidade, encoberta por poluição - tanto atmosférica quanto sonora e visual - resolvi que acordaria uma hora mais cedo para ir à aula de Alemão de ônibus. Dois ônibus. Dois demorados ônibus. Dois demorados e caros ônibus.
A tentação, porém, bateu à minha porta meia hora depois de eu ter acordado para pôr o pé na estrada. Meu pai, recém-chegado de viagem, disse que queria me levar à escola, porque estava com saudades e queria passar um tempinho comigo. Coloquei uma pedra no lugar do coração e recusei a carona. Expliquei a ele sobre a campanha e disse que faria a minha parte, mesmo que isso me custasse algumas horas do dia - e oito reais. Tomamos o café da manhã conversando sobre ostras, Florianópolis, exame de Cambridge e recuperação em Matemática. Não deu outra: me atrasaria para a aula, sem a menor sombra de dúvida. Cedi, então, às chantagens emocionais do meu pai. Transferi a pedra do coração para a consciência, entrei no carro e liguei o rádio. 35 reafugiados palestinos foram recebidos ontem no Brasil. A greve dos correios finalmente acabou. E... O trânsito estava quase tão cheio quanto o de todos os fins de semana. Carros circulando normalmente, meninos de rua fazendo malabares normalmente, tudo normalmente. Fiquei indignada.
E, de repente, eu senti uma placa de "cara de pau" berrante pregar-se na minha testa, para todo mundo ver. Se eu estava tão indignada, o que fazia no carro, então? A parcela capetinha da minha alma, a advogada de defesa, a condescendente, justificava-se dizendo que eram motivos de força maior, que eu me atrasaria se não recorresse às facilidades automobilísticas do transporte particular. Não pela primeira vez na vida, dei ouvidos a essa voz, usualmente condenada pelos ouvintes fiéis da psiqué humana.
Como se não fosse suficiente a minha perspectiva de atraso, havia ainda, em minha defesa e de todos os outros que saíram com seus automóveis para ir a qualquer lugar, a ineficiência e até a inoperância do sistema de transporte coletivo. As prefeituras, antes de aderir a campanhas que em que o uso de domínios públicos faça-se necessário, deveria adequá-los a elas. Desde quando BH tem suporte para deslocar, de ônibus, 2.424.295 pessoas de um lado para o outro?
Para quem não sabe, ônibus tem origens em omnibus, que significa "para todos". Para fazer jus ao significado, os ônibus deveriam ter tarifas mais acessíveis, especialmente em países em desenvolvimento como o Brasil, que tem uma minoriazinha de classe média com condições de desembolsar dois reais cada vez que entra pela portinha de um vermelhinho ou azulzinho ou verdinho ou amarelinho (a variedade de cores não é sinônimo de conforto ou modernidade, ao contrário do que pode sugerir. Na verdade, eles estão mais próximos à possibilidade de retornar à época das diligências francesas).
Tarifas inadequadas, desconforto causado por superlotações, falta de pontualidade. Antes de tentar salvar o meio-ambiente, é preciso tentar resgatar as boas intenções do governo, se é que houve algum dia. Não encontrei protesto melhor que usar o carro no dia em que ele deveria ficar na garagem. Não encontrei desculpa melhor para me justificar por ter traído a minha consciência. E aí? Quer carona?