terça-feira, 19 de maio de 2009

para personne.


"this is my letter for you
but the words get confused
and the conversation dies [...]"


e eu pensei tanto em escrever uma carta contando dos dias em que atravessei a rua e vi tantos rostos diferentes sorrindo para mim! pensar que eu nem sabia que era para você que eu devia escrever. é como se, de repente, todo o nosso passado voltasse à tona e eu me sentisse mais uma vez confortável ao seu redor. é como se eu pudesse te contar sobre tudo e todos, te escrever um conto acidentalmente erótico ou te enviar uma foto do aniversário da minha tia só para mostrar um detalhe do vestido de alguém que me fez lembrar você. foram tantas as vezes em que senti saudades das suas mãos macias, do seu cheiro familiar e da sua voz sempre pronta para mais um conselho ou música boba! e eu sempre me lembro daquele fim de tarde cheio de movimento - se da charrete ao por do sol ou se das gargalhadas, não sei muito bem. aquele fim de tarde que se completou com a noite, sabe? aquela noite de chás exóticos, piscadelas, cartas e cachecóis. me fazem morrer um pouco aquele lago, aquele filme pré-adolescente e toda aquela conversa sobre nunca se esquecer de quem somos ou de tudo o que passamos, sobre como tudo continuaria igual. ilusão. estávamos envolvidas demais para conseguirmos perceber que sentiríamos remorso mais tarde pelas promessas não cumpridas.

não escrevo, porém, para afogar tudo em nostalgia. quero mesmo é te contar que coloquei uma estante nova no meu quarto e que a sua foto se transportou para ela - não te exclui na mudança, ao contrário do que temíamos. AH! ganhei um quadro enorme do casablanca, acho que você iria gostar se visse. é o primeiro item daquele projeto de decoração da sala de TV, que ainda tem as paredes brancas, mas ganhou um sofá melhor. a propósito, meu irmão riscou o sofá com a caneta que você me deu. já dá pra imaginar a satisfação da minha mãe, né? ela pergunta sempre por você e eu digo que não sei, mas a verdade é que eu tenho meus meios de me manter informada sobre como você está. é uma necessidade, sabe? fiquei feliz em ouvir as últimas notícias. sabia que uma hora tudo se acertaria - menos o seu cabelo, que é bonito somente quando incerto. olha, eu preciso te dizer que fiquei emocionada quando nos vimos pela última vez e você fez xixi de porta aberta. talvez essa seja só mais uma coisa que tenha se tornado banal e eu não me dei conta, mas eu não faço xixi na frente de qualquer um. mais: o trabalho de alemão deu certo e eu nunca esqueci que quis ter uma tatuagem desenhada por você. é, certas coisas não perdem a importância.

e eu tenho um medo que só você entenderia: agora sou eu quem vou. ainda não sei quando, mas vou. é essa a hora em que os horizontes se abrem e toda a vida até agora construída se transforma? eu precisava de você para afastar de mim essa ideia de que tudo vai se perder irremediavelmente. você era uma convicção tão forte minha e se perdeu, não foi? o que há de ser do meu presente? não quero ver tantas outras convicções se dissolverem no oceano atlântico à medida em que eu o atravessar. tenho medo da mudança e de que as minhas fotos sejam retiradas das estantes. tenho medo de voltar tão diferente que eu não encontre mais os meus amigos e amores. não tenho mais a ilusão de que tudo vai permanecer igual. o receio é que tudo se quebre, que tudo se torne um imenso buraco de lembranças flutuantes e desconexas, que nada mais faça sentido. eu preciso ir, mas preciso voltar inteira. entende?


não me prolongo, que esta carta é mais impalpável que o nosso próximo abraço. entrego as minhas esperanças à imprevisibilidade e aguardo um grito da vida em resposta. espero da vida que ela te traga para mim, para que eu possa finalmente reaver as minhas convicções e a maciez das suas mãos de massinha. é, é isso.

da sua couve-flor.

quinta-feira, 7 de maio de 2009

a parede descascada da tal casa quente veio ao meu encontro antes do imaginado e é muito mais aconchegante que qualquer previsão. :)