quarta-feira, 5 de agosto de 2009

E eu ia indo por dentro da chuva.

Não dá pra não sentir na pele o frisson. A vontade tranqüila de dançar um tango, um cacuriá ou um carimbó perpassa o mais adormecido fio de cabelo e me sacode os dois dedos d’água que carrego tremulantes no coração. E tudo me arrepia quando me lembro daqueles dias. As saudades causam arrepios – daqueles sotaques vindos do Ceará e de Santa Maria, de todo aquele desespero pela vida e pelo instante. Saudades de tentar descobrir como aquela aura misteriosa, como o inevitável inconsciente se desvendou em amor, e depois se dividiu em pedacinhos pelo Brasil. Pedaços sempre reatados pela certeza do reencontro e das cartas e do porvir. Não me lamento de nada – nem dos oito dias banhados por uma chuva fria e cruel nem da água gelada no chuveiro, cercado por uma caixa enorme de alumínio. Um campus de concentração – um Ausschwitz ao revés. Expectativas às avessas. Assim sendo, não me incomodou tanto o frio da madrugada e eu desprevenida, ainda acreditando nos possíveis 40ºC cariocas. E era inverno! Inverno quente - em ebulição, se quer saber. Ainda me lembro da preguiça e da raivinha marrom daquele “ACORDA! Não vai ficar aí hoje, né? É o primeiro dia!” às onze da noite pra ir dançar. Era quase a mesma voz, no segundo, no terceiro, em todos e no último dia. Sempre sob o mesmo pretexto, sempre me despertando para a vida. E aí vinham a dança e os abraços e os sorrisos tão tão calorosos, fazendo reavivar a lembrança de que valia tanto a pena, que o colchão lá no quarto era frio e solitário, que ele podia esperar e que alguém IA roncar freneticamente ao meu lado. A sinfonia de roncos me matava, mas no dia seguinte só conseguia sorrir. E eu senti Copacabana por perto, vi o vento do mar e as esculturas em areia – tudo tão perfeito e delicado e surreal. Conheci um menino estranho, que faz yoga de calça jeans na areia e já foi chegando criando espaço. Logo de cara, xinguei, bati, desabafei, pedi conselhos e perturbei um tanto, coitado. Vaguei pela Lapa, aleluiamuitobemobrigada, e um mojito me sacudiu as estruturas – e sacudiu os arcos nas fotos fora de foco, tremidas e gargalhadas. Eu estive fora do ar. Eu virei homem por uma noite – My name is Joyce, James Joyce - e me senti bem mais mulher no dia seguinte, grazie. Descobri o quanto é maravilhoso não ter nada entre as pernas na hora de assentar. Aprendi a usar laquê. Gostei de experimentar o contrário, não gostei de beber Ice com sabor de Yakult. Gostei da ginga diferente dos sotaques brasileiros, quis me mudar pro Ceará. Andei na chuva por Niterói em boa companhia, comi pela primeira vez uma esfiha no Habib’s e fiz um pseudopicnic de madrugada que nunca vai sair da memória. Andei por um lugarzinho distante, rodeado por serras em névoa, em plena praia. Vi um ipê florido, comi peixe e não nadei no mar. Vi o Sol umas duas vezes e nunca quis tanto que ele surgisse claro e alto no céu. Ele só surgiu aqui dentro. Surgiu também no Leblon, à noite, depois de algum caos envolvendo malas e um ônibus sacolejando e algumas mãos desajeitadas tentando segurar tudo inutilmente. Foi no festival de jazz e blues no bairro mais charmoso do Rio que vi o Marcelo Camelo bem breve, mas jamais efêmero. Senti um oco de decepção por ter ido ver a versão original de Janta, com a Mallu(ca) Magalhães, e ela não ter se dado o trabalho de subir no palco pra cantar com ele e, mesmo assim, metade da raivinha que sentia dela foi embora. Ela devia gritar menos, falar menos e investir no blues. Até que tem futuro, a menina. Ah! Comi cookies recém-saídos do forno, queimei a mão com matte quente e dormi abraçada em uma garrafa de vodka, que era gelada e aliviava a dor. Conheci um tal poeta que me disse que “só o raso é cool. A dor é Kitsch”, que me trouxe uma dorzinha bem profunda, porém cool, e que ainda por cima tem sotaque bonito. E me doeram os ossos e os músculos e os ânimos de tanto arrastar malas por um chão eterno de pedras. Mas aí eu me lembro que desse chão surgiram passos bonitos de dança e de vida, que por ele se arrastaram malas do Brasil inteiro, carregando roupas do sexo oposto, saias de quadrilha e scarpins inusitados. E então eu amo aquele chão. E então eu nunca mais me esqueço.


8 comentários:

Anônimo disse...

Joyce! vc escreve de um jeito tão fofo!
adorei cada minuto da viagem! foi mto divertido tudo.!! principalmente vc dormindo com a vodka hahaha!
ano que vem, será ainda melhor
beeeijos
Bel

Marcolino disse...

Não, você nunca mais esquece.

E essa que é a graça da vida. Tudo que passa se torna parte da gente - como uma escultura neo-modernista bizarra, na qual cada pessoa que a vê joga alguma coisa nova, fazendo-a crescer mais e mais, sempre diferente, sempre nova. Tudo que passa... fica.

Algumas são mais importantes pra gente. E tá entre as melhores sensações do mundo senti-las dentro da gente - acho, até, que essa é uma das facetas da Felicidade.

Fico tão feliz em te ver crescendo assim, em ver você feliz. Pretty much indescritível.. :)**

Anônimo disse...

joyce! eu vou comentar de novo..
eu vim ler de novo.. e eu chorei..vc acredita?? ai, foi tudo tao bom.. to com saudade até do ronco do rodrigo..da mala dele azul fofa e seu edredom de florzinha. Sabe o que eu tava pensando? a maior descoberta, a maior alegria desse ENEL.. foi vc, joyce! sério.. já tem um tempo que eu te vejo sempre.. mas nessa viagem eu te vi como eu nunca tinha reparado.. menina linda, de coração mais lindo ainda..sem explicação..eu só espero que nossa amizade possa crescer cada vez mais..e ACOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOORDA joyce!


bel

Jordane disse...

...lindo!
Não mais que a autora, mas lindo!
;)
bjaun
saudades nossas...

Índigo disse...

Noss, que coisa! Essa chuva foi o que me deu maior pesar de não ter ido... Chuva!

E são lindas as cores da sua memória! :)

Gabriel Maia disse...

Agora pareço cumprir dez a menos...

Auíri Au disse...

Bem vindo ao clube!
As lembranças vão perdurar por muito tempo...
me senti dentro das linhas com seus relatos...
ps: devia experimentar fazer yoga de calça...
hehe

Beijos

Dandara Lima disse...

Eu queria escrever sobre a felicidade assim, como você.